Morada no Céu…
“Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito. Vou preparar-vos lugar”
João 14:02
Esse versículo me intrigou por muitos anos, será que há casas no céu onde todos vamos morar quando partirmos desse mundo material para o mundo espiritual? Como seria uma casa no mundo espiritual? Sempre achei um pouco confuso a ideia e a conciliação das duas ideias “casa” que é algo material com o céu algo espiritual. Meus questionamentos não eram sem fundamento, penso que encontrei uma resposta mais coerente ao me aprofundar na raiz do versículo.
Para começar a Bíblia foi um livro escrito, na suma maioria esmagadora, por judeus, sejam profetas, discípulos ou apóstolos. Certo que partes do chamado “novo testamento” foi escrito em grego mas por judeus que tinham uma cosmovisão hebraica em contraste com o mundo grego romano. Como já discuti esse assunto noutro artigo intitulado: “Mente Hebraica x Grego-Romana” https://raizeshebraicas.com/2013/10/12/mente-hebraica-x-grego-romana-integra/ não vou entrar em detalhes, só salientar que a mentalidade Hebraica é holística e a grego/romana é dualista. Na visão grego romana, esse mundo material é mal, caído e inferior, portanto devo olhar para o mundo espiritual que é perfeito e superior, interpretando esse versículo dentro dessa ótica nos dá muito conforto em saber que temos uma mansão celestial esperando por nós quando morrermos, certo? Não tão rápido assim! Será que era isso mesmo que Yeshua estava dizendo nesse versículo e nesse capítulo?
Façamos uma análise desse versículo:
1 – A palavra “casa” no grego = οἰκίᾳ (pronúncia – oikia) plural possessivo que vem direto do hebraico = בָּתֵּימוֹ (pronúncia – bottermo) plural possessivo da palavra בַּיִת (bayit). Descreve uma habitação mas também quer dizer família ou lar.
2 – A palavra “moradas” no grego = μοναὶ (pronúncia monē) indica também habitação com uma pequena sutil diferença, essa é física mas pode também ser relacional. A palavra mais próxima em hebraico é מִשְׁכָן ((pronúncia miškān) que traduzimos como tabernáculo. E a plavra Sakan (שָׁכַן) habitar.
Em Êxodo 25:8 lemos: “E me farão um santuário (miškān), e habitarei (שָׁכַן ) no meio deles.”
Essa palavra morada, no grego = μοναὶ (pronúncia monē), aparece somente 2 vezes no novo testamento, aqui em João 14:2 e no versículo 23:
“Jesus respondeu, e disse-lhe: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada (monē).” V23
Vemos claramente no versículo 23 que Yeshua está se referindo a um relacionamento e não a uma morada física. Devemos entender que D-us não precisa de uma habitação física para morar, afinal ele é o dono do universo, a função do tabernáculo era pra que Ele pudesse ter uma relação próxima com o Seu povo. Relacionamento, é a chave para entendermos a intenção de D-us ao mandar o povo judeu construir uma habitação para Ele, quando chegamos no novo testamento esse objetivo continua o mesmo, relacionamento.
Da mesma forma que D-us habitou no tabernáculo no meio de Israel no deserto, Yeshua veio habitar no nosso meio João 1:14
“E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade.”
Novamente aqui está se referindo primordialmente ao relacionamento entre D-us e a humanidade, através da habitação física. Yeshua, não somente habitou em um corpo humano (casa, residência) mas relacionou-se conosco.
Enquanto as 2 palavras, casa e morada, se referem a habitação e residência, nosso melhor entendimento das palavras do mestre é relacionamento, se lermos todo o capítulo de João 14 vamos concluir que a ênfase é relação com D-us e observação dos mandamentos – Toráh, que é a prova que temos uma relação com o Criador. Não é uma habitação no futuro num mundo celestial e perfeito, a habitação não é geográfica mas sim relacional. Ter um imóvel no céu não é tão importante, mas ter uma relação próxima com o Rei sim.
Observamos também que o movimento é sempre do alto, celestial, para o plano terreno. D-us sempre envia algo ou alguém para se relacionar conosco, desde o jardim do Eden:
“…Senhor Deus, que passeava no jardim pela viração do dia…” Gen 3:8
Depois vemos no fechamento triunfal em Apocalipse esse mesmo movimento, céu – terra:
“….E eu, João, vi a santa cidade, a nova Jerusalém, que de Deus descia do céu…”Apocalipse 21:2
Essa frase idiomática parece nos indicar que nosso futuro será aqui numa terra renovada, a último visão de João em Apocalipse 21:1-3 é a nova Jerusalém descendo sobre a terra e D-us finalmente habitando entre aqueles que o amam. Portanto não é minha intenção decepcionar aqueles que estão esperando morrer e terem uma habitação celestial, mas gostaria de estimular a você reavaliar o que crê e buscar entender as escrituras em seu contexto histórico e cultural, grandes surpresas agradáveis te esperam.
Esse segundo entendimento (terra-céu) é baseado num mundo dualístico que nasceu com os filósofos da Grécia antiga e não dentro da perspectiva bíblica hebraica. Só lembrando Yeshua era judeu e não grego.
Autor: A Sfalsin